segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A Cruz e o Ego



A vida cristã começa com um ato de auto-renúncia, e é continuada pela auto-mortificação (Romanos 8:13). A primeira pergunta de Saulo de Tarso, quando Cristo o apreendeu, foi, “Senhor, que queres que eu faça?”. A vida cristã é comparada com uma “corrida”, e o corredor é chamado para “deixar todo embaraço e o pecado que tão de perto nos assedia” (Hebreus 12:1), cujo “pecado” é o amor por si mesmo, o desejo e a determinação de ter o nosso “próprio caminho” (Isaías 53:6).

O grande alvo, fim e tarefa posta diante do Cristão é seguir a Cristo — seguir o exemplo que Ele nos deixou (1 Pedro 2:21), e Ele “não agradou a si mesmo” (Romanos 15:3). E há dificuldades no caminho, obstáculos na estrada, dos quais o principal é o ego. Portanto, este deve ser “negado”. Este é o primeiro passo para se “seguir” a Cristo.

O que significa para um homem “negar a si mesmo” totalmente?

Primeiro, isto significa renunciar sua própria bondade. Significa cessar de descansar sobre quaisquer obras nossas, para nos recomendar a Deus. Significa uma aceitação sem reservas do veredicto de Deus que “todas as nossas justiças [nossas melhores performances], são como trapo da imundícia” (Isaías 64:6). Foi neste ponto que Israel falhou: “Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus” (Romanos 10:3). Agora, contraste com a declaração de Paulo: “E seja achado nEle, não tendo justiça própria” (Filipenses 3:9).

Para um homem “negar a si mesmo” totalmente, deverá renunciar completamente sua própria sabedoria. Ninguém pode entrar no reino dos céus, a menos que tenha se tornado “como criança” (Mateus 18:3). “Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito!” (Isaías 5:21). “Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Romanos 1:22). 

Quando o Espírito Santo aplica o Evangelho em poder numa alma, é para “destruir os conselhos e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo entendimento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10:5). Um moto sábio para o todo cristão adotar é “não te estribes no teu próprio entendimento” (Provérbios 3:5).

Para um homem “negar a si mesmo” totalmente, deverá renunciar completamente sua própria força. É “não confiar na carne” (Filipenses 3:3). É o coração se curvando à declaração positiva de Cristo: “Sem mim, nada podeis fazer” (João 15:5). Este é o ponto no qual Pedro falhou: (Mateus 26:33). “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda” (Provérbios 16:18). 

Quão necessário é, então, que prestemos atenção à 1 Coríntios 10:12: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia”! O segredo da força espiritual reside em reconhecer nossa fraqueza pessoal: (veja Isaías 40:29; 2 Crônicas 12:9). Então, “fortifiquemo-nos na graça que há em Cristo Jesus” (2 Timóteo 2:1).

Para um homem “negar a si mesmo” totalmente, deverá renunciar completamente sua própria vontade. A linguagem do não-salvo é, “Não queremos que este Homem reine sobre nós” (Lucas 19:14). A atitude do cristão é, “Para mim, o viver é Cristo” (Filipenses 1:21) — honrá-Lo, agradá-Lo, servi-Lo. Renunciar sua própria vontade significa atender à exortação de Filipenses 2:5, “Que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”, o qual é definido nos versos que imediatamente seguem como de abnegação. É o reconhecimento prático de que “não sois de vós mesmos, porque fostes comprados por bom preço” (1 Coríntios 6:19,20). É dizer com Cristo, “Não seja, porém, o que eu quero, mas o que tu queres” (Marcos 14:36).

Para um homem “negar a si mesmo” totalmente, deverá renunciar completamente suas luxúrias ou desejos carnais. “O ego do homem é um feixe de ídolos” (Thomas Manton, Puritano), e estes ídolos devem ser repudiados. Os não-cristãos são “amantes de si mesmos” (2 Timóteo 3:1); mas aquele que foi regenerado pelo Espírito diz com Jó, “Eis que sou vil” (40:4), “Eu me abomino” (42:6). Dos não-cristãos está escrito, “todos buscam o que é seu e não o que é de Cristo Jesus” (Filipenses 2:21); mas dos santos de Deus está registrado,“eles não amaram a sua vida até à morte” (Apocalipse 12:11). A graça de Deus está “ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente” (Tito 2:12).

Esta negação do ego que Cristo requer de todos os Seus seguidores deve ser universal. Não há nenhuma reserva, nenhuma exceção feita: “Nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências” (Romanos 13:14). Deve ser constante, não ocasional: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” (Lucas 9:23). Deve ser espontânea, não forçada, realizada com satisfação, não relutantemente: “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens” (Colossenses 3:23). Como isso condena a vida acomodada, agradável à carne e mundana de tantos que professam (mas, de maneira vã) que eles são “cristãos”!

“E tome a sua cruz”. Isto se refere não à cruz como um objeto de fé, mas como uma experiência na alma. Os benefícios legais do Calvário são recebidos através do crer, quando a culpa do pecado é cancelada, mas as virtudes experimentais da Cruz de Cristo são somente desfrutadas à medida que somos, de um modo prático, “conformados com a Sua morte” (Filipeneses 3:10). 

Não pode haver ressurreição onde não há morte, e não pode haver andar prático “em novidade de vida” até que “carreguemos no corpo o morrer do Senhor Jesus” (2 Coríntios 4:10). A “cruz” é o sinal, a evidência, do discipulado cristão. É sua “cruz”, e não o seu credo, que distingue um verdadeiro seguidor de Cristo do mundano religioso.

Como Paulo, devemos ser capazes de dizer “Em nada tenho a minha vida por preciosa” (Atos 20:24). A “vida” que é vivida para a gratificação do ego neste mundo, está “perdida” para eternidade; a vida que é sacrificada para os interesses próprios e rendida a Cristo, será “achada” novamente, e preservada durante toda a eternidade.


Trechos extraídos do livro "A cruz e o Ego"
Arthur W. Pink

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Aborto tem Justificativa?


Certo líder religioso brasileiro, supostamente cristão, tem defendido e propagado a tese de que a Bíblia aprova a realização do aborto como forma de planejamento familiar. E para sustentar esse pensamento usa o texto de Eclesiastes 6:3.
“Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele”
Ora, se partíssemos desse texto para afirmar que a Bíblia autoriza o aborto provocado, também teríamos que, forçosamente, admitir que a Bíblia autoriza o homicídio. Essa conclusão seria fruto da coerência, pois o mesmo livro de Eclesiastes afirma que os mortos são mais felizes que os vivos.
“Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem” (Ec. 4:2).
A mesma pessoa que utiliza Eclesiastes 6:3 para justificar o aborto também teria que usar Eclesiastes 4:2 para justificar o homicídio. Se uma criança pode ser abortada porque um aborto é mais feliz do que quem vive sem ver o bem, também seria lícito matar quem está sofrendo. O mesmo livro que é usado para defender o aborto também deveria ser usado para defender o homicídio. Mas nenhum de nós concorda com a ideia absurda de explodir um hospital e matar doentes para torná-los mais felizes. Nem mesmo pensaríamos em explodir uma maternidade para poupar os bebês dos sofrimentos que poderão enfrentar no vida. Ora, se não concordamos com essas loucuras, por que concordaríamos com a ideia de que é lícito matar a criança no ventre, o lugar em que está sendo formada por Deus?
Além disso, abortar uma criança para poupá-la de uma possível vida infeliz, é partir de uma presunção que não pode ser feita pelos homens, a menos que estes pensem estar no lugar de Deus para saber o futuro. O próprio autor de Eclesiastes destaca que os homens não sabem o que lhes espera no futuro, se encontrará amor ou ódio, estando-lhe oculto o que ainda virá. Somente Deus tem conhecimento disso (Ec. 9:1).
Quando Eclesiastes 6:3 fala que o aborto é mais feliz está fazendo uma análise da vida a partir de seu aspecto terreno, daquilo que é perceptível aos nossos olhos. Observando os sofrimentos dessa vida, o autor de Eclesiastes chega a conclusão que o melhor é não ter nascido.
É interessante observar que Jó, ao passar por um intenso  e profundo sofrimento, chega à mesma conclusão, a de que seria melhor não ter nascido, e questiona a Deus:
“Então, por que me fizeste sair do ventre? Eu preferia ter morrido antes que pudesse ser visto. Se tão-somente eu jamais tivesse existido, ou fosse levado direto do ventre para a sepultura!” (Jó 10:18-19).
Mas isso não significa que Jó defendesse o aborto provocado. Muito pelo contrário, sua reclamação dirigida a Deus foi  “por que me fizeste sair do ventre?” e não “por que minha mãe não me abortou?” Diante do sofrimento que enfrentava, ele questionou a Deus por ter lhe dado vida. E esse questionamento parte de um fundamento claro: é Deus quem forma vida no ventre.
Alguns versículos antes, Jó questiona a Deus, mas ao mesmo tempo que afirma a ação de Deus na gestação de uma criança:
“Foram as tuas mãos que me formaram e me fizeram. Irás agora voltar-te e destruir-me? Lembra-te de que me moldaste como o barro, e agora me farás voltar ao pó? … Não me vestiste de pele e carne e não me juntaste com ossos e tendões? Deste-me vida e foste bondoso para comigo, e na tua providência cuidaste do meu espírito” (Jó 10:8-12).
Jó e o autor de Eclesiastes falam sobre o aborto espontâneo partindo de uma perspectiva exclusivamente terrena, daquilo que pode ser percebido aos nossos sentidos. Diante de tanto sofrimento na vida, talvez pensemos que o melhor seria não ter nascido. Mas nem Jó nem Eclesiastes terminam nessa perspectiva terrena. Ambos os livros chamam a nossa atenção para olharmos para uma perspectiva espiritual.
Embora o autor de Eclesiastes diga que os mesmos tipos de acontecimentos se dão igualmente com justos e com perversos (Ec. 9:2,3), o que pode soar desanimador para os justos, ainda assim encerra sua mensagem dizendo que vale a pena temer a Deus e obedecer os seus mandamentos, pois Deus julgará a todas as obras. No fim, a mensagem de Eclesiastes é de esperança.
“Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem. Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mal” (Ec. 12:13-14).
Jó, ao passar pela provação, na qual chegou a questionar a Deus, conclui o seguinte: “Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber” (Jó 42:3).
Assim como Jó cria que Deus o havia formado no ventre materno, o ensino bíblico é de que todos os seres humanos, desde a concepção, têm lugar especial no plano de Deus. Ele reconhece a importância das crianças desde o ventre (Salmo 139:13-16; Isaías 49:1, 5; Jeremias 1:5; Gálatas 1:15).
Por isso, usar Eclesiastes 6:3 para justificar o aborto provocado só pode ser fruto de má-fé ou de uma mente que insiste em enganar a si mesmo e aos outros. Que Deus conduza ao arrependimento todos aqueles que tentam distorcer a Palavra de Deus, disseminando o erro, a mentira e a destruição.
Em Cristo,
Anderson PazConexão Eclésia

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